Textos filosóficos, críticos, comportamentais e sobre arte da escrita, sucesso e auto-ajuda.
Professor Doutor Silvério
Blog: "Comportamento Crítico"
Professor Doutor Silvério
Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.
(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)
E-mails encaminhados para doutorsilveriooliveira@gmail.com serão respondidos e comentados excluindo-se nomes e outros dados informativos de modo a manter o anonimato das pessoas envolvidas. Você é bem vindo!
Paul-Michel
Foucault (1926-1984) nasce na cidade de Poitiers, e falece na cidade de Paris,
ambas na França. Tinha uma relação afetiva melhor com a mãe do que com o pai.
Proveniente de uma família de médicos (pai e avô. Sua mãe também queria ser
médica, mas não foi possível devido a sua condição de mulher na sociedade da
época). Aos 22 anos de idade tentou suicídio (alguns comentadores narram que
ocorreram outras tentativas) e foi internado por seu pai em uma instituição
psiquiátrica. Veio a falecer aos 57 anos de idade em decorrência de
complicações oriundas da SIDA / AIDS em razão de ter contraído o HIV. Sendo gay
assumido, tinha como companheiro (em uma relação aberta) Daniel Defert
(sociólogo e professor), quem herdou seus manuscritos após sua morte.Atuou como
militante político em prol de campanhas contra o racismo, pela reforma do
sistema penitenciário e também marcou presença e apoio nos movimentos
estudantis de maio de 1968.
Em janeiro de
1977, Foucault assinou uma petição aberta (Lettre ouverte sur la révision de la
loi sur les délits sexuels concernant les mineurs - Carta aberta sobre a
revisão da lei sobre ofensas sexuais envolvendo menores), publicada em jornal
francês (Le Monde; Libération) e endereçada ao parlamento, pelo fim (abolição)
da idade de consentimento que, na época, era de 15 anos de idade, na França. Na
ocasião esta carta aberta contou com 69 assinaturas de intelectuais franceses,
e foi uma, dentre outras cartas publicadas em jornais da época, que também
defendia algumas pessoas presas pelo crime de molestar (praticar relações
sexuais) menores de idade. Este fato se deu durante a reforma do código penal
francês, ocorrida entre os anos de 1977 e 1979. Há comentadores que defendem
que Foucault não ficou somente na militância política a favor da abolição da
idade de consentimento, mas que teria, ele próprio, segundo relatos de
terceiros, tido relações com pessoas abaixo da idade de consentimento, mas em
outros países, não na França.
Atuou como diplomata,
historiador, filósofo, psicólogo, professor universitário e escritor. Também atuou
como militante de causas da esquerda política. Alguns comentadores o consideram
um pós-moderno ou um Estruturalista, rótulos não necessariamente aceitos por
Foucault. Sofreu influência de Nietzsche, Marx, Freud, Deleuze, dentre outros.
Há comentadores que dividem sua produção em três momentos distintos. O primeiro
período de sua produção seria o arqueológico, o segundo período seria o
genealógico e o terceiro período seria o do último Foucault. Em cada período o
pensador teria estudado ideias e questões distintas.
No período
arqueológico, Foucault estuda as estruturas presentes nas ciências humanas,
priorizando a história e as ciências sociais, recaindo seu foco sobre a
filosofia, a linguística e a literatura. Deste período temos duas de suas
obras: “As palavras e as coisas” e “Arqueologia do saber”.
No período
genealógico temos a questão vinculada às formas de poder e subjetivação na
sociedade. Foucault se atém ao estudo do que chamou de “sociedade disciplinar”,
por meio de reconstrução histórica e cultural. Aqui entra a discussão sobre as
formas de exercício do poder, que podem se dar na macrofísica e na microfísica.
Na macrofísica do poder, este é exercido pelo monarca (representando o Estado),
único com responsabilidade para aplicar a lei, usando o medo como instrumento
de controle. Na microfísica o poder passa a ser exercido pela sociedade como um
todo, estamos diante da sociedade disciplinar, uma rede de pequenos poderes
exercidos em pequenos núcleos sociais (escola, igreja, quartel, fábrica,
cadeia, hospital e outras instituições disciplinares). Neste período temos as
obras: “A verdade e as formas jurídicas”, “Vigiar e punir” e o volume 1 de
“História da sexualidade” (“Vontade de saber”).
No dito período
do último Foucault, temos um retorno aos gregos antigos no tocante à forma como
estes encaravam a sexualidade e o prazer. Temos também o desenvolvimento de uma
abordagem ética, bem como, leitura e influência da obra de Nietzsche. São desta
época as obras: “Cuidado de si, alguns artigos acadêmicos e os dois volumes
finais de “História da sexualidade”.
Foucault estudou
os problemas sociais de sua época, focando no sistema penitenciário, na
instituição escolar, nos hospitais, na medicina e psiquiatria, bem como, no
modo como a sociedade historicamente tratou a sexualidade humana.
IDEIAS
Em seus
trabalhos desenvolve um estudo sobre as relações existentes entre poder,
conhecimento e práticas sociais. Foucault desenvolveu uma técnica de estudo
historiográfica em suas obras que ele próprio intitulou como sendo uma
“arqueologia do saber”. Em suas obras traçou diversas críticas às instituições
sociais. Criticou a medicina psiquiátrica, o sistema prisional, e o
desenvolvimento da sexualidade humana no decorrer da história. Buscou mostrar a
presença e interação de práticas de poder e controle nas diversas instituições
sociais: clínica médica, presídios, escolas, fábricas, etc.
Sua filosofia é
focada na vida humana em sua relação social. Busca promover novas formas de
subjetividade. O pensamento de Foucault é voltado para o estudo das relações
entre poder, conhecimento e as práticas sociais resultantes. A evolução
histórica do conhecimento não é linear, não segue um plano ou finalidade,
surgindo por meio de rupturas epistemológicas.
Segundo o
pensamento de Foucault, com o desenvolvimento das sociedades, a Modernidade
trouxe algo novo, o poder deixou de ficar concentrado em um pequeno grupo, seja
político ou institucional, para se ampliar por todos na sociedade, deste modo,
o poder torna-se mais eficaz quanto mais é fragmentado.
Foucault destaca
em sua obra, em particular em “Arqueologia do saber”, que há uma relação entre
poder, saber e práticas discursivas. O poder também está presente na disciplina
vinculada aos corpos e sua sexualidade. Em “Vigiar e punir” temos uma análise
das práticas punitivas e o surgimento de uma sociedade voltada para o ensino da
disciplina. Se antes a punição por um delito criminoso se dava no corpo do
delinquente, por meio de torturas ou a morte pública enquanto espetáculo
visando dissuadir a outros de cometerem o mesmo delito, agora é diferente, a
punição se dá por meio da aplicação da disciplina e controle.
O poder também
está presente no exercício das práticas médicas e na saúde mental. Se antes o
médico apresentava um diagnóstico geral, agora ele observa o indivíduo, o corpo
a sua frente, não somente exercendo seu poder diretamente sobre o paciente, mas
fazendo este também participar, na medida em que deve atuar em prol de sua
melhora.
As instituições
sociais fazem uso do poder e este se mostra vinculado ao saber e à evolução
histórica do discurso. Quando falamos em instituições sociais, pensamos, dentre
outras, nas escolas, nas prisões e nos hospitais. Estas instituições atuam de
modo a padronizar o comportamento das pessoas por meio da imposição de
disciplina, adequando este comportamento às imposições sociais, verdadeiros
meios de domesticação aplicados ao indivíduo para que este possa desenvolver um
comportamento que seja visto como adequado ao convívio em sociedade.
As instituições
sociais, como, por exemplo, a escola, proporcionam a produção de corpos dóceis,
submissos e disciplinados, em condição de desempenhar corretamente seu papel
social dentro da sociedade. Desde a instituição escola, temos, conjuntamente
com o ensino do conhecimento acumulado pela humanidade, a educação visando
moldar o modo padronizado de se comportar e pensar, ajustando os alunos à
disciplina em tudo nas suas vidas.
Na medida em que
certos sujeitos são entendidos como problemáticos dentro do modo de vida
socialmente imposto, estas pessoas são afastadas do convívio social, seja por
meio de prisões ou de hospitais psiquiátricos. Tanto na escola, na fábrica, nos
hospitais, como também na prisão, o poder se apresenta enquanto ferramenta que
visa impor um determinado modo de vida social que seja naquele momento
histórico considerado o mais correto e socialmente adequado.
O controle
social é exercido pelo conhecimento, deste modo, mesmo o conhecimento
científico atua como uma dada forma de controle social. Quanto maior o
conhecimento que alguém possua, maior o poder que poderá exercer sobre outros.
Nas escolas
temos a domesticação das pessoas, as quais são treinadas para se adequarem as
imposições sociais. Ao passar o conhecimento científico para os alunos, as
escolas também atuam como instituições de perpetuação do poder.
Dentro do
pensamento expresso por Foucault, o poder não é algo uno, expresso por um
monarca, pelo Estado ou pela Igreja, antes disso, o poder é algo plural. Não se
trata de uns terem o poder e outros não. Não se trata de legitimar ou
questionar o poder de um sobre muitos. O poder em Foucault não se apresenta
como um objeto natural e sim como uma prática social presente nas interações
humanas. O poder se espalha por todos dentro da sociedade.
Se antes o poder
era centralizado na figura de uma pessoa ou um pequeno grupo, agora este se
espalha por toda a sociedade, se tornando descentralizado e capilarizado de
modo a tornar sua aplicação mais eficaz, aliás, quanto mais fragmentado o poder
se torna, mais eficaz este se apresenta.
Em Foucault o
poder não é algo que alguns possuam e outros não. O poder se mostra nas
interações sociais, se espalhando por todos dentro da sociedade. O poder pode
reprimir, mas pode também produzir conhecimento e preparar os corpos para o
trabalho e a disciplina.
Se o poder fosse
somente repressor não teria como se perpetuar ao longo da história, pois
geraria rebeliões por parte dos subordinados. O poder reprime, mas também
produz conhecimento e prepara os corpos para o trabalho. É por meio da
disciplina presente e desenvolvida na escola, na Igreja e demais instituições,
que se fabrica corpos dóceis, submissos e prontos para exercerem seu papel
social produtivo dentro das normas e controle vigentes.
Outro importante
conceito presente nas análises efetuadas por Foucault provém de Jeremy Bentham,
filósofo e jurista inglês do século XVIII, quem projetou e sugeriu o uso do
“panóptico” nas prisões com o objetivo de melhorar a eficiência do controle e
vigilância exercidos sobre as pessoas nas prisões. Trata-se de conceito
fundamental na obra filosófica de Foucault, surgindo no livro “Vigiar e punir”,
1975. Trata-se em suas origens históricas de uma estrutura arquitetônica
formada por uma torre alta colocadas no centro de uma instalação circular
formada por celas onde ficam os presos. Há na torre uma janela direcionada para
cada cela, sendo que os prisioneiros não conseguem ver quando alguém, no
interior da torre, está ou não olhando para eles. Trata-se de uma situação de
visibilidade unilateral que cria a sensação constante de vigilância, mesmo que
ocorra de o prisioneiro dentro daquela cela específica não estar sendo
observado naquele momento. O prisioneiro sabendo que pode estar sendo
observado, tende a vigiar a si próprio, levando a internalização das normas
sociais e ao autocontrole. Deste modo, as pessoas em sociedade tendem a ajustar
o seu comportamento para que este se adapte às expectativas sociais, mesmo na
ausência do observador que o vigia. Esta é uma metáfora adotada por Foucault
para representar as formas de poder e controle social existente na nossa
sociedade. Serve para ilustrar o funcionamento de diversas instituições
disciplinares, tais como as prisões, as escolas, as fábricas, os hospitais, bem
como, a internalização das normas sociais e a autovigilância exercida nas
estruturas sociais atuais.
Também
importante é o conceito de “biopoder” presente em Foucault e destinado a
descrever o controle quando este é aplicado não sobre um indivíduo isolado e
sim sobre um grande grupo populacional, como no caso de pandemias e aplicação
de vacinas, onde todos são submetidos a ordens médicas e governamentais
partindo de instituições de saúde visando disciplinar e organizar o
comportamento em massa das pessoas, sob a justificativa da necessidade de
gerenciar a saúde e o bem-estar da sociedade como um todo. Trata-se aqui do
controle sobre populações inteiras, em contraste com o controle sobre pessoas
isoladas. O exercício do poder presente no “biopoder” se amplia para além do
controle individual, abarcando aspectos da vida coletiva em uma dada população.
O biopoder é o
potencial, a capacidade para, e a biopolítica é o exercício ou prática ativa
deste potencial ou capacidade. O biopoder mostra-se como sendo o potencial ou
capacidade subjacente, já a biopolítica atua como sendo o exercício prático
deste mesmo poder sobre a vida das pessoas. Ambos os conceitos possuem atuação
fundamental na compreensão das sociedades contemporâneas no tocante a gestão da
vida, saúde e população.
O biopoder
aponta para a capacidade ou a potencialidade do poder político no tocante a
exercer influencia e controle sobre a vida das pessoas, em particular no
tocante a questões sobre a vida (biológicas) e sobre a população, estando mais
focado na capacidade, no potencial, ou nas estruturas que permitam o exercício
do controle sobre a vida humana. Já a biopolítica se mostra como sendo o
conjunto de práticas, instituições e políticas concretas que regulam a vida de
uma dada população. A biopolítica está focada nas ações, estratégias e práticas
efetivas adotadas pelos distintos governos e instituições, visando o exercício
de controle sobre questões biológicas e populacionais.
Conceito
importante também se apresenta na ideia de “dispositivo”. Trata-se de conceito
central dentro da obra filosófica de Foucault. O conceito de dispositivo é
empregado pelo filósofo para descrever as diversas relações que ocorrem entre
elementos distintos, visando atuar em conjunto para moldar um determinado
comportamento, trata-se de uma forma de controle e regulação do comportamento
dentro da sociedade. Dentro do dispositivo temos discursos distintos provindos
de diversas áreas do saber, temos a presença de práticas sociais e também de
instituições atuando em prol da padronização de um comportamento. Trata-se da
formação de uma estrutura de poder com determinada finalidade. Estes diferentes
elementos se articulam em conjunto visando produzir um efeito determinado. Não
há em Foucault uma definição fixa para o conceito de “dispositivo”, já que a
ênfase é colocada na análise das relações e conexões entre os diversos
elementos que compõem o dispositivo dentro de determinado contexto histórico
social.
Por meio do
conceito de “dispositivo” é possível entender como o poder se manifesta e atua
nos distintos segmentos sociais. Todas as práticas disciplinares presentes nas
instituições (fábrica, escola, hospital, presídio, etc.) e nos distintos
discursos sobre os comportamentos tidos como dentro das normas sociais, estão
abarcados pelo conceito de “dispositivo”.
O “dispositivo”
não é uma estrutura estática e sim dinâmica, formado por elementos distintos
que trabalham em conjunto visando a produção de determinados efeitos sociais em
dado momento histórico específico, vinculados ao exercício do poder e controle
em sociedade.
Temos na
sexualidade humana, o “dispositivo” atuando em conjunto com o “biopoder e a
“biopolítica”, bem como, a presença da medicalização e da psiquiatrização da
sexualidade, que ocorre mais especificamente entre os séculos XVIII e XIX e é
analisada na obra de Foucault intitulada “História da sexualidade”, volume 1.
Com o desenvolvimento de disciplinas como a sexologia e a psiquiatria, tivemos
também novas formas de classificação e normalização das práticas sexuais,
atuando no controle social da sexualidade. O poder, em Foucault, se exerce não
somente pela repressão e sim por meio da exigência do cumprimento de normas e
padrões sociais. O “dispositivo” da sexualidade atua criando normas e definindo
o que é normal ou anormal, o que passa a ser considerado como sendo desviante
de um comportamento sexual aceito como normal.
Também podemos
falar no conceito de “heterotopia” elaborado por Foucault para abranger os espaços
físicos ou mentais que tenham determinada função específica dentro da
sociedade, por vezes desafiando ou subvertendo as normas sociais reinantes. O
conceito de “heterotopia” é discutido na obra “Outros espaços” (Des espaces
outres). As heterotopias atuam como espaços que possuem função específica e que
se encontram do lado de fora das estruturas sociais convencionais. São locais
onde temos a contradição, sendo possível a existência de múltiplas realidades
ao mesmo tempo, lugares nos quais as normas sociais são suspensas ou
invertidas. Aqui podemos incluir uma variedade de espaços sociais e físicos,
tais como: cemitérios, prisões, jardins, festivais, museus, casas de
prostituição (bordéis) e outros. No caso, por exemplo, de bordéis, estes
desafiam as normas sociais e morais com relação ao comportamento sexualmente
aceito em sociedade. Possuem uma função específica relacionada ao prazer sexual
e à transgressão das normas tradicionais, podendo operar as margens legais
permitidas socialmente.
Com a inclusão do
conceito de “heterotopia” a análise das instituições e práticas sociais se
amplia para além dos espaços convencionais, passando a incluir, também, locais
que se encontram nas margens e na divergência. A importância destes lugares se
dá na medida em que os mesmos mostram as complexidades e contradições das
estruturas sociais, atuando de modo a desafiar a ideia de uma realidade única e
estável. Claro está, no entanto, que o que é ou não “heterotópico” tende a se
modificar de acordo com o contexto sociocultural e histórico. As normas sociais
específicas de uma sociedade não são idênticas as normas presentes em outras
sociedades ou, na mesma sociedade em outra época histórica. As heterotopias
podem, portanto, apresentarem significados diferentes em distintas culturas ou
momentos históricos.
Foucault não obedece
a uma condição essencial para a filosofia e ciências, que é definir e delimitar
o seu objeto de estudo. No caso de Foucault, seu principal objeto de estudo,
para não dizer o único, é o "poder", mas em momento algum ele define
o que é o "poder". Por vezes, fica para o leitor o pensamento de que
por “poder”, estaria se referindo ao conceito de “controle”. Não somente o
controle exercido por uma pessoa, pequeno grupo ou instituição sobre outra ou
outras, mas sim, ao modo interiorizado presente nas relações sociais pelas
quais as próprias pessoas exercem controle sobre elas próprias, e uma sobre as
outras. No lugar de uma definição pautada na forma tradicional de se fazer
filosofia e ciências, o que temos é algo bem mais fluído e contextual que se
atém às manifestações históricas sociais do poder.
PRINCIPAIS OBRAS
1- História
da Loucura na Idade Clássica (“Folie et Déraison: Histoire de la Folie à
l'Âge Classique”), 1961.
Temos uma
análise do conceito de “loucura” no decorrer da história humana. A forma como a
sociedade concebe a loucura vincula-se intimamente às mudanças nas estruturas
sociais e nas formas de poder em exercício.
2- O
Nascimento da Clínica (“Naissance de la Clinique”), 1963.
Neste livro é
estudado as transformações ocorridas nas práticas médicas e o surgimento da
medicina clínica ocorrido no século XIX. As formas de observação, diagnóstico e
tratamento médico refletem mudanças nas estruturas sociais e no exercício do
poder.
3- As
Palavras e as Coisas (“Les Mots et les Choses: Une Archéologie des Sciences
Humaines”), 1966.
Temos uma
investigação sobre as mudanças ocorridas nas ciências humanas e sociais no
decorrer da história, abordando como são construídas as categorias do
conhecimento e como tais influenciam o modo de percebermos o mundo.
4- A
Arqueologia do Saber (“L'Archéologie du Savoir”), 1969.
Aqui Foucault
apresenta o conceito de “arqueologia do saber”, estudando as condições de
possibilidade para a produção do conhecimento humano e a sua relação com as
práticas discursivas e as instituições sociais presentes.
5- Vigiar e
Punir (“Surveiller et Punir: Naissance de la Prison”), 1975.
Temos uma
análise histórica das práticas punitivas até a atualidade. Um estudo de como as
sociedades disciplinam os indivíduos e quais implicações surgem para a prática
do poder e controle social.
6- A Vontade
de Saber (“La Volonté de Savoir”), volume 1 da “História da sexualidade”,
1976.
São estudadas as
relações entre poder, conhecimento e sexualidade, com destaque para o enfoque
nas sociedades ocidentais e seu discurso sobre o sexo no decorrer da história.
História da
sexualidade, deveria ocupar 6 volumes, mas a morte precoce de Foucault
interrompeu sua elaboração, ficando restrita aos volumes abaixo listados:
I – A vontade de
saber (1976)
II – O uso dos
prazeres (1984)
III – O cuidado
de si (1984)
IV – Os prazeres
da carne (publicado postumamente em francês em 2017)
7- Microfísica
do poder (“Microphysique du Pouvoir”), 1978.
O livro é
formado por uma coletânea de textos oriundos de artigos, cursos, entrevistas e
debates, escritos ou elaborados no decorrer da década de 1970. Diversas
questões vinculadas ao poder são aqui analisadas. O poder se apresenta como
algo difuso e não centralizado no Estado. Há uma discussão sobre o método
genealógico elaborado por Foucault. O poder não é apenas repressivo, mas também
disciplinar, normalizador. O poder se mostra vinculado ao saber, dentro de uma
estrutura política. Temos uma análise do poder em diversos domínios da vida
social, como, por exemplo: a família, a escola, o local de trabalho e outras
instituições. O poder está presente em todas as interações sociais e nos
mecanismos de controle e normalização que regulam o comportamento humano.
Immanuel Kant
(1724-1804), nasce na cidade de Königsberg (Reino da Prússia; Königsberg foi
fundada em 1255, de 1466 até 1656 fez parte da Polônia, também foi a capital da
Prússia Oriental e a partir de 1871 fez parte do Império Alemão. No final da
segunda guerra mundial, em 1945, foi anexada a URSS e, posteriormente, teve seu
nome mudado e a população de língua alemã removida e substituída, fazendo,
hoje, parte da Rússia. Atualmente Kaliningrado, Rússia), onde viveu e trabalhou
por toda sua vida, vindo também nesta cidade a falecer e nela ser sepultado em
sua catedral. Proveniente de uma família protestante, filho de Johann Georg
Kant e Anna Regina Reuter, foi o quarto de nove filhos. Kant nunca se casou e
também não teve filhos.
Kant não nasceu
em uma família rica ou de nobres, em verdade, seus pais eram modestos artesãos.
Seu pai vivia como selador de peles e fabricante de arreios, já sua mãe era
filha de um artesão. Apesar de sua família não possuir enormes posses, foi dado
a Kant a oportunidade de receber uma boa educação com base pietista, devido a
contatos feitos por sua mãe.
Kant foi influenciado
por Leibniz, Wolff e Newton, a partir de leituras e do posicionamento de seus
professores, mas foi a leitura de David Hume que o acordou de seu sono
dogmático e o levou ao Criticismo. Na verdade, Kant se encontra na confluência
de três grandes correntes de pensamento: o Racionalismo, o Empirismo e o
advento da ciência moderna, proporcionando uma resposta aos problemas
suscitados pelo desenvolvimento e confronto destas correntes de pensamento em
sua época histórica.
O pensamento de
Kant está vinculado à linha histórica de três grandes movimentos: o
Racionalismo (Descartes, Malebranche, Spinoza, Leibniz, Wolff), o Empirismo
(Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume) e o desenvolvimento da Ciência Moderna
(Copérnico, Galileu Galilei, Tycho Brahe, Kepler, Newton).
Representante do
Iluminismo na Alemanha, desenvolveu trabalhos na área da epistemologia,
ciência, ética, estética, história, geografia, direito, política internacional,
dentre outros temas. Sua filosofia é corretamente chamada por Idealismo Transcendental
e teve também o mérito de influenciar o surgimento do Idealismo Alemão. Kant
foi membro da Real Academia das Ciências de Berlim e também professor da
Universidade de Königsberg, função que exerceu por cerca de cinco décadas.
Durante toda sua vida não se afastou de sua cidade natal, apesar de receber
convites para lecionar em outras universidades localizadas em outras cidades.
A filosofia de
Kant pode ser dividida em duas fases, uma anterior à leitura da obra de David
Hume, que, segundo o próprio Kant, teria lhe acordado de um sono dogmático.
Outra posterior à leitura da obra de Hume. Assim, temos uma fase pré-crítica,
que vai de 1755 a 1780 e uma fase crítica que vai de 1781 até 1800. Na primeira
fase temos um maior vínculo com o pensamento predominante na região de língua
alemã em sua época, onde destaca-se o Racionalismo e sua metafísica. Após ser
despertado de seu sono dogmático, temos uma fase crítica, com a publicação de
suas três críticas e o desenvolvimento de seu Idealismo Transcendental, chamado
por alguns comentadores de Criticismo.
O Idealismo
Transcendental de Kant é a designação aplicada à epistemologia deste filósofo,
na qual só somos capazes de ter acesso aos fenômenos e não a coisa em si ou
númeno (noumeno). Ao conhecer algo, alteramos este algo de acordo com nossa
capacidade perceptiva, não conhecemos a coisa em si mesma, e sim como
representações subjetivas universais. Nosso conhecimento provém dos sentidos
somados às categorias do entendimento.
Dentre suas
primeiras obras publicadas, encontram-se ensaios sobre geografia, física e
filosofia. No ano de 1755, publica uma de suas primeiras obras: "História
Natural Geral e Teoria do Céu", relevante obra abordando as ciências
naturais. Em 1770, Kant foi nomeado professor de lógica e metafísica na
Universidade de Königsberg, mesma universidade na qual anteriormente havia
estudado. E em 1781 publica sua obra mais relevante até este momento e que irá
gerar o seu enorme renome e fama: “Crítica da razão pura”.
Em 1794 foi
proibido de escrever sobre religião por Frederico Guilherme II rei da Prússia
(que sucedeu seu tio, Frederico II, conhecido como Frederico, o Grande), após a
publicação em 1793 de “A religião dentro dos limites da simples razão”. Só
retornou a escrever sobre religião após a morte do rei (que reinou de 1786 até
sua morte em 16 de novembro de 1797).
Em Kant, podemos
encontrar o desenvolvimento do questionamento em torno de três perguntas
básicas, que são desenvolvidas e formuladas no decorrer de sua obra. Podendo,
de modo simplificado, serem assim apresentadas:
1- O que posso
saber?
2- O que devo
fazer?
3a- O que me é
permitido esperar?
3b- Quais coisas
me é permitido esperar?
Tais perguntas
são analisadas e discutidas no decorrer das obras deste filósofo, em particular
as suas três críticas, que seguem a ordem das perguntas formuladas, assim,
temos que na “Crítica da razão pura” busca-se responder “o que posso saber?”,
na “Crítica da razão prática” busca-se responder “O que devo fazer?”, e na
“Crítica da faculdade do juízo” busca-se responder “Quais coisas me é permitido
esperar?”. Na primeira crítica e em resposta a primeira pergunta, se trabalha o
juízo hipotético presente nas ciências e a obrigatoriedade de uma experiência
possível para confirmar a veracidade do mesmo. Temos um total determinismo e
necessidade, vinculado aos fenômenos. Na segunda crítica e em resposta a
segunda pergunta, temos o juízo categórico, presente na ética. Aqui busca-se a
universalidade e necessidade para as determinações da razão sobre o
comportamento ético a ser adotado. Na terceira crítica temos a resposta a
terceira pergunta, onde se faz presente a teleologia apontando, claro está,
para uma dada finalidade. Tudo aqui se passa “como se”, na busca da
universalidade do juízo do belo e do sublime.
Kant apresenta
uma crítica ao Racionalismo e também ao Empirismo. No tocante ao Racionalismo,
entende que não é possível o conhecimento além dos limites da experiência
possível. No tocante ao Empirismo, Kant defende que a experiência é moldada por
estruturas a priori da mente.
Segundo Kant,
todo conhecimento começa com a experiência, mas nem todo procede da
experiência. A origem de nosso conhecimento encontra-se na experiência, mas
esta não pode outorgar validade, universalidade e necessidade ao mesmo.
Torna-se, segundo Kant, imperioso saber como é possível encontrar o fundamento
da possibilidade de toda experiência.
Em Kant podemos
dividir em três as nossas faculdades: conhecer, apetecer e julgar. Quando falamos
em conhecer, nos reportamos à ciência, aqui temos uma faculdade objetiva e
universal. Quando falamos em apetecer, nos reportamos à ética, aqui temos uma
faculdade objetiva e universal. Quando falamos em julgar, nos reportamos à
estética, aqui temos uma faculdade subjetiva e universal.
O Sujeito
Transcendental em Kant se mostra cognitivamente como sendo algo subjetivo,
universal e necessário, formado pela sensibilidade, razão e entendimento. A
sensibilidade nos traz as formas puras da intuição: o espaço e o tempo. A razão
se apresenta como a faculdade das ideias. O entendimento é composto pelas
categorias, em número de 12.
Kant é um
demarcador de águas na filosofia, promovendo uma verdadeira revolução na mesma,
que ele próprio comparou a outra grande mudança, a efetuada por Copérnico,
quando este retira a Terra do centro do sistema solar, colocando em seu lugar o
Sol. Coube a Kant realizar a revolução copernicana na filosofia, ao retirar o
foco principal do objeto como o centro do conhecimento, para o sujeito. Antes
de Kant, o humano (aquele que conhece) girava ao redor do objeto (aquilo que é
conhecido), agora, invertida as posições, é o objeto que gira ao redor do
humano.
Sua posição
política e moral o coloca como pacifista e antimilitarista. Kant nutriu enorme
simpatia e mesmo entusiasmo para com os ideais presentes na Revolução Americana
e na Revolução Francesa. Kant, extremamente metódico, saia para passear todos
os dias no mesmo horário e alguns comentadores narram que só durante
determinado momento da Revolução Francesa é que modificou o seu percurso para
adquirir novas informações sobre os recentes acontecimentos sobre a Revolução
Francesa. Há uma anedota, contada por alguns comentadores, de que os moradores da
cidade podiam acertar seus relógios pela passagem de Kant no transcurso de seu
passeio diário.
2- EPISTEMOLOGIA
/ FILOSOFIA DA CIÊNCIA
PRIMEIRA CRÍTICA
CRÍTICA DA RAZÃO
PURA
Pontos:
Distinção entre fenômeno e númeno (noumeno).
A priori e a posteriori.
Categorias do entendimento.
Para entendermos
o “Idealismo Transcendental” de Kant, é preciso entender a definição de
“transcendental” data pelo filósofo. Para Kant, o termo aponta para um
conhecimento que trata, não propriamente com objetos, mas sim, com a forma como
nós, humanos, conhecemos tais objetos. Por transcendental entende, portanto,
Kant, o estudo do que nos permita conhecer a priori os objetos. É a estrutura
cognitiva que nos dá suporte a possibilidade de conhecermos algo. Não é a
relação de nosso conhecimento com os objetos, mas sim, a relação do
conhecimento com a nossa faculdade cognitiva. É o modo a priori de conhecermos
os objetos dados pela experiência.
Em “Crítica da
razão pura”, 1781, são abordados temas essenciais para a epistemologia / teoria
do conhecimento e filosofia da ciência. Trata-se de uma obra de suma
importância para a filosofia contemporânea que há de influenciar direta ou
indiretamente muitos filósofos posteriores, seja no sentido de concordância ou
discordância com relação aos principais temas ali abordados, mas sempre
partindo da leitura desta obra.
Nesta crítica o
filósofo responde à pergunta de como é possível o conhecimento. Afirma a ideia
de existência de um sujeito transcendental, entendido como aquele que possui as
condições de possibilidade de toda experiência. Segundo Kant, temos duas
principais fontes de nosso conhecimento: a sensibilidade e o entendimento. É
por meio da sensibilidade que os objetos são dados à intuição. Já por meio do
entendimento os objetos são pensados nos respectivos conceitos. Por meio da
sensibilidade somos afetados de modo receptivo pelos objetos.
Todo o
conhecimento humano começa com a experiência, mas de modo algum está unicamente
limitado a experiência, pois, parte considerável do conhecimento provém de sua
atividade cognitiva, sendo a priori a toda experiência.
Para entendermos
a filosofia de Kant expressa nesta obra é preciso entender a diferença entre
por um lado o “fenômeno” e por outro lado o “númeno” (ou “noumeno”). Cabe ao
fenômeno fazer referência a realidade que nos circunda, aquilo que percebemos
deste mundo que nos cerca. É como o mundo aparece para nós, seres cognoscentes,
captado por meio de nossas condições de sensibilidade. Já o númeno nos remete
para a coisa em si mesma, independente da percepção que temos dela. É aquilo
que afeta as nossas sensações, provocando a percepção que temos de algo. O
númeno independe da experiência humana e é distinto da mesma. Não nos é
possível conhecimento direto do númeno, pois, ao conhecermos algo, este já é
fenômeno. Todo o nosso conhecimento é sempre mediado por meio da estrutura
cognitiva humana.
Também torna-se
importante entender o que é “a priori” e “a posteriori”. Quando nos referimos a
algo “a priori”, entendemos que este algo antecede a nossa experiência sobre
este mundo físico, já o “a posteriori” depende da experiência que temos do
mundo. Encontramos juízos “a priori” junto aos princípios matemáticos, os quais
são independentes de nossa experiência, derivados da razão pura e
universalmente aplicáveis. Já os juízos “a posteriori” dependem sempre da
experiência empírica, não possuem validade universal, não são necessários e sim
contingentes.
Em um juízo a
priori o predicado da frase está contido no sujeito, já em um juízo a
posteriori, o predicado não está contido no sujeito, sendo algo novo e
ampliando o nosso conhecimento sobre o objeto. Se digo que “um triângulo possui
três lados”, o predicado “possui três lados” está contido a priori no sujeito
“triângulo”, mas, se digo que “um triângulo é amarelo” ou que “o sol aquece a
pedra”, o mesmo não ocorre, pois, o predicado não está previamente contido no
sujeito, sendo juízos a posteriori, ou seja, dependentes da experiência.
Kant expõe sua
doutrina sobre os juízos sintéticos e analíticos. Juízos sintéticos são
baseados na experiência, já os juízos analíticos não dependem da experiência.
Por serem baseados na experiência, juízos sintéticos são a posteriori, já os
juízos analíticos são a priori.
Quando falamos
que um quadrado possui quatro lados e também quatro ângulos internos, estamos
diante de juízos analíticos, que nos são dados a priori. Neste tipo de juízo o
predicado encontra-se contido no sujeito e estamos diante do princípio de
identidade e do princípio de não contradição ao fazer uma dada afirmação nele
baseado. Juízos analíticos não dependem de nossa experiência e se mostram
universais e necessários.
Já os juízos
sintéticos se apresentam de modo a posteriori, baseados em nossa experiência.
Em tais juízos o predicado não está previamente contido no sujeito. Kant busca
saber em sua obra como são possíveis juízos sintéticos a priori. Cabe aqui
entender que “juízo” é um termo aplicado a toda e qualquer afirmação ou negação
sobre algo. Kant entende que a universalidade e necessidade necessita da
existência de juízos sintéticos a priori, caso contrário, se o conhecimento for
baseado somente na razão (Racionalismo) nos depararemos com juízos aceitáveis
pró e contra a mesma coisa, que são as antinomias da razão pura, já se for
baseado somente da experiência empírica (Empirismo), cairemos na crítica
elaborada por David Hume, que inviabiliza o conhecimento baseado na
universalidade e necessidade, tornando-o fruto de meras crenças na repetição de
algo anteriormente observado, não sendo, no entanto, visível ou observado algo
como, por exemplo: causa e efeito.
No Idealismo
Transcendental desenvolvido por Kant, temos três tipos distintos de juízos:
analítico, sintético e estético. O juízo analítico não amplia o nosso
conhecimento, pois, somente expõe com maiores detalhes explicativos um dado
predicado que já estava anteriormente presente no sujeito. O juízo sintético
amplia de fato nosso conhecimento, pois, o predicado não se encontra presente
no sujeito. Juízo analíticos são a priori, ou seja, não dependem da
experiência, já juízos sintéticos são a posteriori, ou seja, dependem de uma
experiência. Kant há de defender em sua primeira crítica a existência de juízos
sintéticos a priori. Juízos estéticos se dão sobre o belo, onde buscamos a
universalidade nele presente.
Kant argumenta
que nas ciências físicas e na matemática nós teríamos a presença de um juízo
sintético a priori, ou seja, independente da experiência. Se todo conhecimento
fosse baseado em juízos analíticos, em nada se aumentaria o conhecimento, pois,
estes estariam sempre presentes no sujeito, bastando analisar o sujeito para
obter seu predicado. Já se fossem sintéticos, caberia o princípio de incerteza
para todo o conhecimento científico, pois, baseado somente na experiência, nada
impediria que fosse diferente da próxima vez.
Para haver
necessidade e universalidade nas ciências físicas era preciso que existisse um
juízo que fosse ao mesmo tempo sintético e a priori. Kant entende que tal é
possível pelo motivo de a matemática e a física se basearem nos conceitos de
“espaço” e “tempo”, que são formas a priori da sensibilidade, intuição pura,
não derivados da experiência cotidiana, mas sim a sua própria condição de
possibilidade. É possível pensarmos o espaço sem a existência de qualquer coisa
nele, mas não nos é possível pensarmos a existência seja lá do que for, sem o
espaço, sendo, portanto, o espaço um objeto de intuição e não um conceito
baseado na experiência. Do mesmo modo o tempo, podemos pensar o tempo fora das
coisas, mas não podemos perceber seja lá o que for sem estar contido no tempo.
O tempo é a forma da intuição pura interna e o espaço é a forma da intuição
pura externa.
Tempo e espaço
são formas a priori, mas o tempo antecede o espaço, pois, o tempo não é
derivado da experiência, ele antecede a experiência, não há como conceber
eventos ou mudanças sem a categoria do tempo. O tempo é condição fundamental da
experiência e uma estrutura a priori que molda a percepção que temos do mundo.
O espaço também é uma forma a priori da sensibilidade, mas o tempo se destaca,
pois, não podemos conceber experiências no espaço sem a categoria do tempo.
O tempo é uma
forma a priori da sensibilidade, uma condição fundamental da experiência, não
podemos pensar em eventos ou qualquer mudança sem a presença da categoria do
tempo. O espaço se mostra de modo análogo ao tempo, sendo também uma forma a
priori da sensibilidade. O espaço é a condição subjacente para nossa
experiência de objetos no mundo circundante.
Segundo o
pensamento de Kant, o “espaço” e o “tempo” são formas de intuição a priori que
nos permitem organizar nossa experiência. Nós não percebemos as coisas como
elas de fato são. Há uma diferença entre a nossa percepção e a coisa percebida,
pois, quando percebemos alteramos esta coisa em si, ou númeno, mas isto ocorre
de modo idêntico a toda a nossa espécie, de modo que, todos percebem a mesma
coisa. A coisa em si, ou seja, a natureza tal como ela é de fato, nos é
definitivamente incognoscível.
O “espaço” se mostra
como a forma do sentido externo, já o “tempo” se mostra como a forma do sentido
interno ao sujeito percebedor. Não é possível conhecer os objetos externos a
nós, sem antes organizá-los espacialmente, por sua vez, também não é possível
sem que tenhamos uma percepção interna destes mesmos objetos, o que se dá pelo
tempo. Tempo e espaço existem antes, enquanto faculdades do sujeito e não do
objeto, sendo universais e a priori. Espaço e tempo são condições de
possibilidade de toda e qualquer experiência possível.
Kant nos fala em
12 categorias do entendimento. Estas categorias são inatas e estruturam a nossa
experiência, sendo fundamentais para o conhecimento humano. São princípios
organizadores que moldam a experiência sensível. Por meio das categorias podemos
compreender e ordenar tudo aquilo que percebemos.
Aristóteles já
havia, anteriormente, proposto 10 categorias para o devido entendimento do
conhecimento, mas o trabalho de Kant com as categorias difere bastante do de
Aristóteles. Para Aristóteles as categorias são classificações fundamentais
para a lógica e a ontologia, mas não há relações específicas entre elas.
Segundo Kant, as categorias do entendimento são inatas e fundamentais para a
experiência cognitiva. As categorias são deduzidas por meio da “dedução
transcendental”, desenvolvida na “Crítica da razão pura”. Por meio de tal
dedução, busca Kant justificar a aplicação das categorias ao conhecimento
empírico. Segundo o pensamento de Aristóteles, as 10 categorias são aplicadas
ao “Ser”, ao objeto, são ontológicas (ontologia), já para Kant as 12 categorias
estão vinculadas ao sujeito conhecedor, seu modo de perceber, organizar e
conhecer o mundo circundante, são gnosiológicas (gnoseologia).
Dentro do
processo de dedução transcendental proposto por Kant, temos a ideia de que as
categorias são condições necessárias para a unificação da diversidade presente
na nossa experiência diante da realidade. São princípios fundamentais aplicados
pelo entendimento visando organizar a informação provinda dos sentidos,
possibilitando o conhecimento.
Para entendermos
as categorias, é preciso antes entender as formas a priori da sensibilidade,
que são o tempo e o espaço. Segundo o pensamento de Kant, temos a existência de
formas a priori da sensibilidade e também formas a priori do entendimento. As
formas a priori da sensibilidade, ou intuições puras, são o tempo e o espaço,
já as formas a priori do entendimento são as categorias. Ao percebermos algo,
primeiro o adaptamos a fôrma dada pelas nossas formas a priori de tempo e
espaço. O tempo se mostra como a forma do sentido interno, tendo primazia sobre
o espaço, já o espaço se mostra como a forma de sentido externo.
Necessariamente percebemos tudo, sejam objetos externos ou estados emocionais
internos, como dentro do molde do tempo e do espaço. Já as formas a priori do
entendimento, ou conceitos puros, são as 12 categorias apresentadas por Kant.
Por meio das categorias o entendimento humano consegue ordenar e organizar o
múltiplo percebido, tornando-o em um todo coerente.
Agora que já
explicamos sobre o tempo e o espaço enquanto formas a priori de nossa
sensibilidade, e sobre as categorias do entendimento, em número de 12, vamos
especificar mais a questão. Em Kant as categorias são as formas ou funções
fundamentais presentes no intelecto. Temos a distinção de quatro classes ou
grupos de juízos: 1- quantidade, 2- qualidade, 3- relação e, 4- modalidade.
Destas quatro classes de juízos obtemos por agrupamento, doze categorias,
conforme tabela abaixo:
Categorias do
Entendimento:
Quantidade:
1- Unidade: A
capacidade de considerar um objeto como um.
2- Pluralidade
ou multiplicidade: A capacidade de considerar a multiplicidade de objetos.
3- Totalidade: A
capacidade de considerar a totalidade dos objetos em um conjunto.
Qualidade:
4- Realidade: A
capacidade de afirmar a existência de algo.
5- Negatividade
ou negação: A capacidade de afirmar a não existência de algo.
6- Limitação: A
capacidade de afirmar limites entre diferentes objetos ou conceitos.
1- Na classe ou
grupo “quantidade”, temos que a categoria chamada de “unidade”, refere-se à
capacidade que o ser conhecedor possui de considerar o objeto que está sendo
conhecido como um todo indivisível. A partir da categoria “particular” ou “universal”
temos a base para obtermos toda a multiplicidade de experiências a que estamos
sujeitos. Exemplo: um carro possui diversas partes e componentes, mas ao
considera-lo como “carro”, categoria da “unidade”, isto permite que percebamos
o mesmo como uma entidade única e não como uma coletânea de partes isoladas. O
mesmo se aplica a tudo que conhecemos, seja uma maçã, uma laranja, um
computador, uma peça de roupa, um livro, etc.
2- Na classe ou
grupo “quantidade”, temos a categoria chamada de “pluralidade” que faz
referência a capacidade do ser conhecedor de considerar diversos objetos dentro
de um mesmo conjunto, permitindo a multiplicidade da experiência. Quando
observamos uma floresta composta por incontáveis árvores, a categoria da
“pluralidade” nos permite perceber a multiplicidade de árvores presentes na
floresta. Em um buquê de flores esta categoria nos permite perceber cada flor
nele presente, cada flor individual representa uma instância presente na
pluralidade contida no conjunto buquê de flores. Esta categoria nos permite
lidar não somente com a individualidade, mas também com a multiplicidade
presente em nossas experiências.
3-
Na classe ou grupo “quantidade”, temos que a categoria chamada de “totalidade”
permite ao ser conhecedor organizar o conjunto de objetos percebidos em um
grupo coeso, no qual, a exemplo de um “quebra-cabeça”, cada peça encontra seu
lugar correto dentro do todo. Esta categoria torna-se fundamental para a nossa
capacidade de reconhecer e compreender conjuntos de unidades como um todo
coeso, integrado e com sentido. Diante de uma pintura, escultura ou música,
podemos perceber o todo formado pelas diversas partes que o compõe.
4- Na classe ou
grupo “qualidade”, temos a categoria chamada de “realidade” ou mesmo de
“existência”. Aqui lidamos com a atribuição de realidade ou existência dada a
um objeto. Trata-se de afirmar que algo exista, se refere à presença ou
ausência de algo como sendo um dos atributos do objeto. Trata-se de afirmar a
existência de dada qualidade para um objeto dado. Exemplo: “Aquela maçã é
vermelha”. Ao afirmar que a maçã é vermelha, damos uma qualidade a esta maçã,
que é a cor vermelha, estamos atribuindo uma qualidade de existência
(realidade) para esta cor específica nesta maçã. A categoria “realidade” nos
permite afirmar que uma determinada qualidade realmente existe em dado objeto.
Esta categoria torna-se essencial para o entendimento de como atribuímos
características aos objetos e como afirmamos que tais características realmente
existem. Aqui temos a questão da existência ou presença de qualidades nos
objetos da experiência sensível.
5- Na classe ou grupo “qualidade”, temos a categoria chamada
de “negatividade”, ou também de “ausência” ou “carência”. Esta categoria
refere-se à inexistência de dadas qualidades no objeto, ou seja, que um objeto
específico não possui determinadas e específicas qualidades. Posso, por
exemplo, afirmar que: “A maçã não é azul”. Com esta afirmação declaramos que a
maçã não possui a qualidade de ser azul. Enquanto na categoria da “realidade”
tratamos da afirmação da existência de dadas qualidades no objeto, aqui,
negamos a presença de determinadas qualidades no objeto percebido.
6- Na classe ou grupo “qualidade”, temos a categoria chamada
de “limitação” ou “restrição” ou “condição limitada”. Aqui Kant faz
referência à medida ou quantidade de determinada qualidade em um dado objeto.
Uma dada qualidade possui limites ou condições específicas. Exemplo: Ao
considerarmos que a água contida em um recipiente está quente, esta pode estar
mais ou menos quente. A quantidade de calor presente na água se mostra dentro
de limites específicos. Por meio da categoria “limitação” podemos entender como
qualidades podem ser mensuradas e expressas em relação ao grau maior ou menor
da qualidade medida. Deste modo, podemos entender os objetos não somente com
relação à presença ou ausência de dada qualidade, mas também ao grau em que tal
qualidade se apresenta no objeto, aos limites desta característica.
7- Na classe ou grupo “relação”, temos a categoria chamada de
“inerência e subsistência” ou “substância e acidentalidade”. Aqui esta categoria
faz referência à relação entre algo que é essencial ou permanente (a
substância) e algo que pode ou não existir, sendo, portanto, contingente (o
acidente), em um dado objeto. Exemplo: Se pensarmos em um livro, sua substância
é formada pelo conteúdo e estrutura do mesmo, já o acidente se mostra como
sendo a cor da capa e as possíveis marcas de desgaste pelo uso. É a substância
que faz o livro ser o livro, ser o que ele é, já o acidente apresenta-se como
características que podem ou não existir sem afetar a substância do livro, do
sujeito, ou seja, os acidentes podem variar sem, no entanto, afetarem a real
natureza presente no sujeito.
8- Na classe ou
grupo “relação”, temos a categoria chamada de “causalidade e dependência” ou “causa
e efeito”. Esta categoria faz referência a eventos que se sucedem no tempo
possuindo entre si uma relação de causa e efeito, ou seja, apresenta uma
conexão necessária entre dados eventos na qual a presença de um evento
determina a existência do outro. Exemplo: Jogar uma pedra em um lago forma
ondulações na água. A pedra caindo dentro d’água é a causa e as ondulações o
efeito. Temos uma relação causal entre eventos sucessivos no tempo. Esta
categoria nos permite entender como dados eventos se mostram necessariamente conectados,
de modo que a presença de um evento implique na presença do outro. A relação de
causa e efeito é fundamental para a correta compreensão do mundo circundante e
das inúmeras interações com os objetos.
9- Na classe ou
grupo “relação”, temos a categoria chamada de “comunidade” ou “ação recíproca”
ou “reciprocidade”. Nesta categoria temos dois ou mais elementos agindo
reciprocamente de modo a se influenciarem mutuamente. Exemplo: Duas pessoas
conversando. Tanto uma, como a outra, são afetadas pela fala de seu
interlocutor. No diálogo entre duas ou mais pessoas temos uma ação recíproca na
qual todos os participantes são envolvidos, contribuindo esta interação para o
prosseguimento e direcionamento da conversa. Neste caso, a influência exercida
por um elemento sobre outro se mostra recíproca. Diferentes elementos podem
interagir entre si de modo a influenciar uns aos outros.
10- Na classe ou grupo “modalidade”, temos a categoria chamada
de “possibilidade ou impossibilidade” ou “viabilidade ou inviabilidade”.
Aqui temos a referência à capacidade ou incapacidade de um dado evento ou
conceito poder ocorrer. Exemplo: “Amanhã vai chover”. Isto é algo que se mostra
possível, podendo ou não ocorrer. Agora, se faço alusão a algo que desafia as
leis da física, por exemplo, então, estarei diante do julgamento sobre a
capacidade ou incapacidade deste evento ocorrer. Esta categoria nos põe diante
da viabilidade ou inviabilidade de algo ocorrer, seja um conceito ou evento e
nos permite melhor entender as limitações e condições sob as quais determinados
eventos ou conceitos podem ou não podem ocorrer.
11- Na classe ou
grupo “modalidade”, temos a categoria chamada de “existência ou não existência”
ou “atualidade ou inatualidade”. Aqui temos uma referência direta a presença ou
ausência de dado objeto ou conceito. Exemplo: “Há uma cadeira dentro do salão”.
Neste caso afirmamos a existência do objeto “cadeira” dentro do espaço do
salão.
12- Na classe ou
grupo “modalidade”, temos a categoria chamada de “necessidade ou contingência”
ou “inevitabilidade ou acaso”. Aqui se refere a ocorrência de um dado conceito
ou evento dever ou não ocorrer de modo inevitável ou meramente casual. Exemplo:
Encontramos a necessidade presente quando da soma dos ângulos internos de um
triângulo resultar sempre em 180 graus, agora, eventos contingentes ocorrem
quando alguém ganha ou perde na loteria, por exemplo. Esta categoria se
relaciona com a inevitabilidade ou casualidade de conceitos ou eventos, sendo
essencial para entender como avaliamos a certeza ou a probabilidade de eventos
ou conceitos.
As quatro
antinomias da razão pura
1- Antinomia da
quantidade
O mundo não tem
início no tempo e não possui limite (ilimitado) no espaço.
O mundo tem
início no tempo e possui limite (limitado) no espaço.
2- Antinomia da
qualidade
Toda substância
é composta por partes simples.
Não existem
substâncias simples.
3- Antinomia da
relação
Existe uma
causalidade determinada pela liberdade.
Não existe
liberdade.
4- Antinomia da
modalidade
Há um ser
necessário.
Não há um ser
necessário.
Estas quatro
antinomias da razão pura encontram-se na CRP e se apresentam como argumentos
visando demonstrar que a razão pura pode formular proposições aparentemente
contraditórias sobre questões fundamentais da metafísica, demonstrando, deste
modo, os limites presentes no conhecimento humano e defendendo a ideia de que
algumas questões de cunho metafísico se colocam além da capacidade da razão
humana resolver.
A metafísica
clássica prevê a existência de três coisas que adota como seus objetos de
estudo: 1- eu (alma), 2- o mundo, 3- Deus.
Problemas
básicos da metafísica não encontram sua solução por meio da razão pura e sim
somente por meio da razão pura prática. Pelo prisma da razão teorética, não
possuem solução:
1- A existência
de Deus
2- A
imortalidade da alma
3- A liberdade
humana.
Não temos também
como saber se o universo ou o cosmos é finito ou infinito, pois isto não é algo
passível de uma experiência possível.
3- SEGUNDA
CRÍTICA
CRÍTICA DA RAZÃO
PRÁTICA
Ética e
Moralidade em "Fundamentação da Metafísica dos Costumes"
Ética Prática em
"Crítica da Razão Prática"
Pontos:
O imperativo
categórico.
A autonomia da
vontade.
O conceito de
dever.
A liberdade e a
razão prática.
O imperativo
categórico como princípio ético.
O conceito de
bem supremo.
Duas coisas
sempre me enchem a alma de
crescente
admiração e respeito, quanto mais
intensa e
freqüentemente o pensamento delas
se ocupa: o céu
estrelado acima de mim e a lei
moral dentro de
mim.
Immanuel Kant
Kant não
apresenta uma recusa ao objeto de excelência da metafísica. Liberdade,
imortalidade da alma e a existência de Deus são os três postulados presentes na
Razão Prática. Cabe à “Crítica da razão prática”, 1788, a primazia sobre a
razão pura e é nela que se discutirá o papel da liberdade, da imortalidade da
alma e de Deus. A liberdade surge como um postulado da razão prática
indispensável para a moralidade. A virtude surge como condição indispensável
para a obtenção da felicidade. É preciso sermos dignos de ser felizes. Ao sumo
bem, ao bem supremo, cabe destacar a presença da virtude conjuntamente com a
felicidade.
Kant há de
destacar a autonomia da vontade como sendo a capacidade de agir de acordo com
princípios racionalmente escolhidos pelo sujeito, sendo determinada por fatores
internos ao sujeito. Neste tocante, cabe comparar e contrastar a autonomia com a
heteronomia, nesta última, a vontade é determinada por fatores externos, tais
como: a obtenção de prazer, a evitação de dor, o receio de ser punido.
Para Kant a
moralidade não se separa do dever, trata-se do dever moral, que obriga a ser
seguido, independentemente de qualquer consequência que possa advir, ou mesmo
dos sentimentos que possamos manter para com a situação ou para com outras
pessoas ali envolvidas.
Temos três
postulados da razão prática: 1- a liberdade, 2- a imortalidade da alma, e, 3- a
existência de Deus.
Também à
autonomia da vontade temos vinculada a liberdade. A razão prática mostra-se
como sendo a capacidade de raciocinar sobre princípios morais e determinar a
vontade de acordo com tais princípios.
Segundo Kant,
toda ação moral deve ser orientada pela razão, saindo do particular e
individual em direção ao universal, ou seja, a uma lei moral universal.
Muito importante
é o “imperativo categórico” formulado por Kant e que pode ser apresentado de
três modos distintos. Trata-se de uma fórmula moral que busca a solução para
questões práticas do dia-a-dia, vividas na comunidade pelo sujeito. As três
formulações se complementam mutuamente e formam o que podemos entender como o
eixo moral da filosofia de Kant. O conceito de “imperativo categórico” se
apresenta como sendo um princípio ético fundamental na obra de Kant. O
imperativo categórico se diferencia dos imperativos hipotéticos, pois, o
imperativo categórico afirma sua natureza incondicional e universal. O imperativo
categórico proposto por Kant, nos traz uma obrigação moral única e universal. O
imperativo categórico se apresenta como um princípio ético, a lei moral ou
dever, que pode ser formulado como aquilo que eu devo fazer. Temos três modos
de formular este princípio, uma complementando a outra:
1- Temos a
fórmula da universalização: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas
querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal" ou, “Age de tal modo
que a máxima da tua ação possa se tornar um princípio universal”, ou “Age como
se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da
Natureza”.
2- Temos a
fórmula da humanidade: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na
tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como um fim
e nunca simplesmente como um meio", ou “Age de tal maneira que trates a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e
nunca como um meio”.
Deste imperativo
de orientar minhas ações de modo a entender a humanidade como um fim e não um
meio, se liga à concepção crítica do direito introduzida por Kant, podendo
deste modo se deduzir o princípio geral do direito como sendo:
“Age
exteriormente de tal maneira que o livre uso da tua vontade possa coexistir com
a liberdade de cada um, segundo uma lei geral”.
3- Temos a
fórmula da vontade: “Considera a sua vontade, enquanto ser racional, como
legisladora para todos”, ou “Age como se a máxima de tua ação devesse servir de
lei universal para todos os seres racionais”.
O cumprimento do
dever moral, seguindo o imperativo categórico, mostra-se como sendo o bem
supremo. O bem supremo é associado por Kant a ideia de uma vontade boa agindo
de acordo com princípios morais. Segundo o pensamento deste filósofo, temos um
dever moral pautado em leis morais. O dever moral está submetido rigorosamente
ao cumprimento das leis morais. Todos os seres racionais devem cumprir o que é
imposto pela lei moral racional.
Resumindo, a boa
ação é a que está totalmente em conformidade com o dever imposto pela razão, e
a má ação é aquela que se opõe a isto. Temos aqui uma ética deontológica, ou
seja, baseada no dever. Do grego “deon” = dever e “logia” = estudo, portanto,
deontologia é o estudo ou ciência do dever.
4- TERCEIRA
CRÍTICA
CRÍTICA DA
FACULDADE DO JUÍZO
Estética em
"Crítica da Faculdade do Juízo"
Pontos:
Teoria do juízo
estético.
A natureza do
belo e do sublime.
Teleologia e
finalidade na natureza.
A “Crítica da
faculdade do juízo”, 1790, é a terceira crítica escrita por Kant. Nesta obra
Kant estuda a experiência estética. Neste livro são abordadas questões
vinculadas à estética, julgamento estético e teleologia. O juízo estético se
diferencia do juízo lógico ou empírico. Kant introduz nesta obra o conceito de
“juízo de gosto”, direcionando para uma avaliação subjetiva e universal do belo.
O conceito de “gosto” mostra-se vital na estética kantiana, representando a
faculdade que permite a avaliação do belo e do sublime.
Kant busca
explicar o que seja o belo e ao mesmo tempo, traçar uma ponte entre a razão
pura presente na primeira crítica e a razão prática presente na segunda
crítica. No decorrer de sua análise sobre o “juízo”, Kant aponta para a
teleologia, ou seja, os fins, a finalidade presente em dados juízos.
Kant também
distingue quatro tipos de juízos: 1- o agradável, 2- o bom, 3- o belo e, 4- o
sublime. Sendo que o “bom”, como também o “belo”, se subdividem em dois cada,
podendo contar seis formas de juízo.
Em suma, nesta
obra Kant analisa o juízo do gosto, primeiramente relacionado ao belo e depois
ao sublime. No decorrer da obra, são tratados alguns tipos de juízos com o
objetivo de aclarar e diferenciar o que seja o juízo do belo. Podemos falar em
quatro tipos de juízo, a saber:
1- O agradável
2- O bom
2 A - O bom,
enquanto algo útil
2 B - O bom,
enquanto “Bem” moral
3- O belo. E
aqui há que distinguir entre dois tipos de beleza:
3 A – Beleza
livre
3 B – Beleza
aderente (associada a um conceito sobre a perfeição ou finalidade da coisa)
4- O sublime
O juízo do
agradável se dá totalmente vinculado à sensação, ao prazer imediato que nos
provoca diante de algo. O agradável se vincula à sensação, já o belo se vincula
ao sentimento. Tanto no belo, como no agradável, temos a imediaticidade, pois,
ambos juízos não se baseiam em regras ou conceitos.
A universalidade
não está presente no juízo sobre o agradável, já o juízo sobre o belo e o do
bom enquanto “Bem” moral tem a presença da universalidade. Uma comida me pode
ser agradável, mas não cabe universalidade sobre este juízo. Esta
universalidade presente no juízo sobre o belo não é de fato e sim de direito. O
gosto pessoal, cada um tem o seu, não sendo cabível de discussão ou de
universalidade, já no juízo sobre o belo é diferente, pois nele temos a
universalidade e o desinteresse. O juízo sobre o bom se mostra como conceitual,
baseado naquilo que sabemos, conhecemos, sobre algo. O juízo sobre o agradável
é puramente empírico, decorrente da sensação que temos diante da presença
daquele objeto, do prazer que este nos proporciona. Já o juízo do belo é a priori,
pois possui em si a necessidade e universalidade.
O belo é
associado à experiência estética agradável e harmônica. O belo é subjetivo, mas
deve ser percebido como se fosse universal. Quando julgamos algo como “belo”
não se trata de uma classificação conceitual e sim da expressão de um
sentimento com validade universal. O julgamento do belo na natureza, da
harmonia presente na natureza, nos coloca diante de algo à semelhança de uma
finalidade ou propósito da mesma. Mesmo reconhecendo que a natureza não possui
tais intenções de finalidade, a nossa mente projeta esta intencionalidade na
mesma. Temos uma inclinação natural para ver ordem e propósito em tudo,
incluindo a natureza, algo a semelhança de uma projeção subjetiva.
O juízo do
gosto, no tocante ao belo, mostra-se como sendo universal, não por estar
baseado em algum conhecimento prévio, já que há a necessidade de se colocar
diante do objeto para que este seja considerado como belo.
Interessante
também a ideia de “interesse desinteressado” presente no julgamento estético,
pois, este não está vinculado a desejos ou necessidades pessoais, mas sim à
apreciação desinteressada da forma. No juízo do belo não temos presente o
interesse por sua presença ou existência, o que já não ocorre nos demais
juízos, à exceção do sublime, no qual também não há interesse envolvido.
No tocante ao
juízo sobre o “belo”, temos que Kant ao falar sobre a “beleza”, a divide em
duas: “livre” e “aderente”. Segundo o pensamento de Kant, a “beleza livre” é
aquela que se apresenta sem qualquer conceito ou finalidade, não há interesse
na mesma, nem se encontra vinculada a algum propósito específico. Trata-se da
pura apreciação do belo presente no objeto diante de nós. Esta experiência
estética não faz exigência para que o sujeito percebedor a relacione com
qualquer outro objeto de desejo, necessidade ou conceito prévio. Como exemplo
podemos imaginar o sujeito diante de uma paisagem natural ou de um quadro
pintado por um artista (exemplo: Monalisa, de Leonardo da Vinci) que tenha um
sentimento de admiração ou prazer estético que seja independente de qualquer
utilidade prática que o objeto possa ter, ou qualquer conceito específico sobre
o mesmo. Trata-se do prazer oriundo do puro ato de contemplação. Esta é a
beleza livre. Já a beleza aderente é diferente, pois, está associada a um
conceito ou finalidade específica. Ao apreciar o objeto, cabe considerar o
mesmo vinculado a um propósito ou dado uso particular. Trata-se de uma
experiência estética associada à utilidade ou significado que se encontra
associado ao referido objeto. Como exemplo de beleza aderente podemos pensar em
uma dada obra de arte que represente um fato histórico que possua grande
relevância. A apreciação da beleza nesta obra fica vinculada à associação do
que ela representa com o significado histórico. A beleza desta obra passa a ser
percebida associada a representação conceitual e à mensagem por ela
transmitida.
Portanto,
“beleza livre” e “beleza aderente” são diferentes. Esta diferença entre ambas
formas de beleza se encontra na interação entre a experiência estética com
conceitos ou finalidade. Enquanto a “beleza “livre” se apresenta como
desinteressada e sem qualquer propósito específico, a “beleza “aderente”
mostra-se vinculada a um dado contexto conceitual ou utilitário. A beleza de um
objeto é desvinculada da verdade e não proporciona conhecimento sobre a
natureza deste objeto.
O sublime, por
sua vez, ocorre quando nos colocamos diante do enorme poder presente na
natureza e o percebemos sem qualquer força ou intencionalidade. O sublime
abarca experiências que são consideradas grandiosas pelo sujeito, podem não
serem agradáveis e mesmo, serem totalmente desagradáveis e provocar profundo
temor. O sublime tende a ultrapassar a capacidade de compreensão humana.
Quando pensamos
na faculdade do entendimento, pensamos em legislar, em unificar a diversidade e
multiplicidade dentro de determinadas regras. Existem dois tipos de leis, uma
formada a partir do entendimento e outra a partir da razão. A do entendimento
cuida do determinismo físico presente nas ciências, enquanto que a da razão se
aplica ao Bem moral. Já o juízo de gosto é diferente, pois, não se baseia em
dada legislação. O juízo do gosto é resultante do jogo livre e indeterminado
das faculdades da imaginação e entendimento. O juízo do gosto se dá unicamente
na presença do objeto que o motiva. É algo imediato e instantâneo. No juízo do
gosto o entendimento fica a serviço da imaginação. O juízo do gosto é imediato
por não se basear em conceitos e sim, na intuição do objeto percebido. Não é
possível ao entendimento intuir e não é possível à sensação pensar. Quando nos
relacionamos com dado objeto por meio de conceitos, esta relação é mediata, já
quando nos relacionamos com o objeto por meio da intuição, esta relação é
imediata. Temos que o juízo do gosto não é algo lógico ou objetivo. O juízo do
gosto mostra-se como subjetivo e vinculado ao sentimento de prazer e desprazer.
Não é possível julgar algo como belo sem estar diante deste algo.
O juízo do gosto
se dá na presença do objeto, o que já não ocorre no juízo moral ou no juízo
lógico. Dizer “Esta rosa é bela” é diferente de dizer “todas as rosas são
belas. Esta rosa, portanto, é bela”. No primeiro enunciado temos um juízo
subjetivo, universal e necessário, válido enquanto aponta para um objeto
singular. Não se trata de um juízo lógico e sim estético. Já no segundo
enunciado temos um juízo lógico e não estético. Ao afirmar que esta rosa é
bela, quem afirma se reporta a um sentimento sobre o objeto, que todas as
pessoas diante do mesmo deveriam ter, independente disto ocorrer ou não. O
juízo do belo pressupõe uma conformidade a fins sem, no entanto, que haja fins
reais, tudo ocorre “como se”. É uma conformidade a fins de modo formal, uma
conformidade a fins sem fins.
Da mesma forma
que em sua primeira crítica, quando nos fala na tábua de categorias, Kant
prosseguirá sua análise por quatro momentos distintos:
1- Qualidade
2- Quantidade
3- Relação
4- Modalidade
5- A RELIGIÃO
Filosofia da
Religião em "A Religião nos Limites da Simples Razão"
Pontos:
Relação entre
razão e fé.
A moralidade religiosa.
O papel da
igreja na comunidade ética.
O livro “A
religião nos limites da simples razão”, 1793, aborda questões deveras
importantes relacionadas à filosofia da religião: a relação entre razão e fé; a
moralidade religiosa; o papel da Igreja na comunidade ética; dentre outros.
Kant chegou a
ser proibido em 1794, pelo Rei Frederico Guilherme II, da Prússia, de escrever
sobre religião, em virtude deste governante entender que suas teses poderiam
seguir um caminho não ortodoxo com relação a religião tradicional e se pautarem
mais no deísmo. Somente após a morte do monarca, em 1797, é que Kant publicou novamente
sobre o tema.
Nesta obra o
filósofo busca apresentar a fé religiosa por meio da razão, deixando de fora
conceitos que estejam vinculados a algum tipo de sobrenatural ou iluminação
divina. Kant entende que a religião deve seguir pelo esclarecimento interior,
baseado no pensamento racional.
Há um questionamento
sobre o papel da Igreja tradicional no tocante ao desenvolvimento de uma
moralidade religiosa. A Igreja deve ser uma comunidade ética que proporcione o
desenvolvimento de princípios universais, mas sem a obrigação da aceitação de
dogmas não justificados pela razão humana.
Não cabe à
religião verdadeira se ater a recompensas futuras, tais como a salvação, mas
sim ao desenvolvimento do dever moral no momento presente da ação do sujeito.
Kant se opõe a assim chamada “religião popular”, criticando a superstição e
enaltecendo a importância da razão na prática da religião.
A moralidade
religiosa é importante, pois, a verdadeira religião deve estar de acordo com os
princípios éticos fundamentais. A moralidade religiosa não deve ser conduzida
por dogmas específicos e sim por princípios morais universais, tais como o
imperativo categórico.
Kant busca
reconciliar a razão com a fé, trabalhando possíveis conflitos entre as duas. A
fé se mostra aceitável desde que não entre em conflito com princípios racionais
fundamentais, já a razão pode ter uma função crítica na avaliação das
afirmações religiosas. Segundo Kant, devemos ter uma religião que seja
racional, na qual todas as crenças religiosas sejam submetidas ao crivo da
razão.
Kant trabalha
filosoficamente a relação existente entre razão, fé, moralidade religiosa e
também o papel da Igreja dentro da comunidade ética. Neste livro, Kant busca o
entendimento da dimensão ética e moral contida na experiência religiosa.
É importante,
segundo o pensamento de Kant, termos um equilíbrio entre razão e fé. Toda fé
deve ser obrigatoriamente guiada pela razão, deste modo, podemos evitar crenças
que possam violar princípios racionais. Mas Kant também reconhece que a razão
possui limites no tocante à compreensão dos mistérios da fé.
A verdadeira
religião não se dá pelo mero cumprimento de rituais externos ao sujeito,
estando intimamente ligada à moralidade. A genuína prática religiosa deve
favorecer um comportamento ético, bem como, a virtude. A moralidade religiosa
envolve o cumprimento do dever moral motivado pela vontade autônoma.
A Igreja tem um
papel a desempenhar dentro da comunidade ética, na promoção da moralidade na
sociedade, atuando como uma instituição ética que oriente as pessoas em direção
à virtude, mas sem se intrometer na esfera da autonomia moral de cada um. A
Igreja deve atuar como um guia ético, não como uma autoridade que dita dogmas a
serem seguidos sem fundamentação racional.
Kant tem como
intenção a busca de conciliação entre a dimensão religiosa e os princípios
racionais, dando destaque a moralidade enquanto base da verdadeira prática
religiosa. Rejeita abordagens dogmáticas dentro da religião, buscando uma
religião que atue de modo a respeitar a autonomia moral e que tenha a virtude
como pilar de sua existência. Há aqui um grande destaque para a ética dentro da
experiência religiosa.
6- CRÍTICA DA
TEOLOGIA TRADICIONAL EM "CRÍTICA DA RAZÃO PURA" E "A RELIGIÃO
NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO"
Pontos:
A crítica à
prova ontológica da existência de Deus.
O conceito de
Deus na moralidade.
Nas obras
"Crítica da Razão Pura", 1781, e "A Religião nos Limites da
Simples Razão", 1793, Kant formula algumas críticas importantes à teologia
tradicional. Destaque deve ser dado a crítica feita às provas sobre a existência
de Deus, focando na prova ontológica, e também, ao conceito de Deus na
moralidade.
A relação entre
a razão, a moralidade e a religião, continua a ser aprofundada em “Religião nos
limites da simples razão”, livro no qual Kant desenvolve uma argumentação em
defesa de uma dada forma de teísmo ético de acordo com seus trabalhos críticos.
Em linhas
gerais, a prova ontológica busca provar a existência de Deus a partir da ideia
que temos de Deus enquanto ser perfeito. Esta prova está presente em vários
filósofos no decorrer da história da filosofia, como, por exemplo: Anselmo da
Cantuária. Kant argumenta que a existência de algo não pode ser atribuído a um
ser como se fosse uma propriedade deste ser. Kant deixa clara a distinção entre
por um lado o “predicado” e por outro lado o “sujeito” no tocante ao verbo
“existir”. Não é possível predicar a um sujeito a sua existência e tê-la na
realidade. Em verdade, a ideia de perfeição presente no conceito de Deus em
nada se amplia com o acréscimo do predicado “existir”.
Kant argumenta
sobre a relação presente entre o conceito de Deus e a moralidade. Segundo Kant,
Deus não é algo que possa ser provado teoricamente, mas sim um postulado da
razão prática, algo que se mostra como uma exigência da moralidade. A
existência de Deus é entendida pela razão prática como uma condição necessária
para termos a possibilidade de podermos alcançar o “Bem supremo”, o qual consistiria
na harmonia entre o dever moral e a felicidade.
A moralidade
fundamenta a crença em Deus e não o contrário. Deus é algo postulado pela razão
prática como sendo a condição necessária para a realização da lei moral. A
moralidade exige a crença em um dado legislador supremo que possa garantir a
harmonia definitiva entre o dever e a felicidade.
Sua abordagem
filosófica exerceu significativa influência em filósofos subsequentes no
tocante a filosofia da religião e a aceitação ou não da prova ontológica,
atuando em prol do desenvolvimento de filosofias que se aproximam do teísmo
ético.
7- FILOSOFIA
POLÍTICA EM "A PAZ PERPÉTUA" E "METAFÍSICA DOS COSTUMES"
Pontos:
Teoria do
contrato social.
O conceito de
república.
Cosmopolitismo e
a ideia de paz internacional.
Em “A paz perpétua”, 1795, e “Metafísica dos costumes”,
1785, Kant desenvolve algumas ideias interessantes sobre filosofia política.
No trabalho “A
paz perpétua”, temos uma discussão sobre a necessidade de se criar uma
federação de Estados que seja organizada por meio de princípios republicanos
para que se possa deste modo alcançar uma paz que seja duradoura. Nesta ideia
da federação de Estados, temos implícita a ideia do contrato social, pois, cabe
às nações agirem de modo racional em busca de princípios comuns a todos e da
evitação de desnecessários conflitos e guerras.
Kant defende a
forma republicana de governo como sendo a mais compatível com as garantias dos
direitos individuais, a liberdade e a participação política de todos os
cidadãos do Estado. Uma república, como tal governada por princípios
republicanos, tende a estar mais propensa à paz do que a se comportar visando
unicamente interesses próprios e individuais ou mesmo despóticos em relação a
outras nações.
Kant defende não
somente a ideia de paz internacional e perpétua, mas também de cosmopolitismo.
Destaca a interconexão e independência de todos os seres humanos em uma escala
global. Segundo Kant, o direito cosmopolita torna-se fundamental para a
garantia de uma paz internacional e perpétua.
Para se alcançar
esta paz há de se formar uma federação de Estados republicanos e que todos os
membros concordem em abandonar o militarismo, adotando princípios de resolução
pacífica de seus conflitos e disputas.
Temos que Kant
entende que o conceito de “contrato social” é fundamental na filosofia
política. Tanto a autoridade política, como também o governo, surgem do
consentimento livre e racional dos cidadãos que compõe a sociedade, decidindo
estes em formar e organizar esta comunidade.
Sua abordagem a
filosofia política teve relevante influência na teoria política contemporânea.
A ênfase posta na república, no contrato social e no cosmopolitismo exerceu
influência sobre o desenvolvimento de teorias sobre os direitos humanos, a
democracia e as relações internacionais, bem como, debates sobre cooperação
internacional, diplomacia e governança global, buscando alcançar uma paz que
seja duradoura e justiça em escala local e internacional.
8- FILOSOFIA DA
HISTÓRIA EM "IDEA PARA UMA HISTÓRIA UNIVERSAL DE UM PONTO DE VISTA
COSMOPOLITA"
Pontos:
O papel da razão
na história.
Progresso moral
e social.
Condições para a
paz e harmonia global.
Na obra "Idea para uma história universal de um ponto de vista
cosmopolita", 1784, temos que Kant desenvolve sua filosofia da
história. Segundo o autor, a razão tem um papel essencial na direção que a
história toma, atuando como guia da história e influenciando o seu curso,
levando a humanidade em direção a objetivos e metas específicos.
A história
mostra-se como um processo guiado pela razão, no qual a humanidade progride em
direção a uma condição mais civilizada e racional. A razão é a força motriz que
proporciona a formação de sociedades mais justas, bem como, que leva ao
desenvolvimento moral.
Temos no
transcurso da história um progresso na esfera moral e social. No transcurso da
história a humanidade aumenta a sua compreensão sobre a moralidade e a justiça.
A moralidade mostra-se como elemento principal no progresso histórico. Cabe o
destaque, também, a importância exercida pela educação moral para formar
sociedades mais justas. É com o aprendizado diante de acertos e erros vividos
no passado, que podemos melhorar a condição humana e evoluir moralmente.
Um objetivo
importante, possível e desejável para a humanidade é a obtenção de uma paz
perpétua entre os Estados, de modo que possamos ter paz e harmonia global,
eliminando os conflitos. Para a realização de tal objetivo, propõe Kant a
criação de uma federação de Estados, baseada em princípios republicanos,
visando promover a cooperação e a solução pacífica de disputas entre os
diversos Estados.
Kant apresenta
em sua obra uma visão otimista diante do progresso humano, tendo a razão como
guia e um papel de destaque para a moralidade. Suas ideias, como no caso do
cosmopolitismo, exerceram e ainda exercem influência provocativa nos debates
sobre a importância da cooperação global, da governança internacional e na
possível paz duradoura entre as nações.
9- PRINCIPAIS
OBRAS
1-
Crítica da razão pura ("Kritik der reinen Vernunft"), 1781. Abreviado
em português como CRP.
Aqui Kant trata
de questões vinculadas à epistemologia e metafísica sobre a natureza do
conhecimento, os limites do entendimento e a possibilidade de conhecermos algo.
Kant busca responder à pergunta: “O que posso saber?”
2- Prolegômenos
a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como ciência
("Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik, die als Wissenschaft
wird auftreten können"), 1783.
Trata-se de um
livro que pode ser entendido como introdutório à “Crítica da razão pura”, onde
Kant procura explicar seus principais conceitos e ideias anteriormente
apresentados nesta obra.
3- Idea para uma
história universal de um ponto de vista cosmopolita ("Idee zu einer
allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht"), 1784.
Aqui temos o
desenvolvimento de uma abordagem filosófica sobre a história universal,
analisando o progresso da humanidade em direção a um estado cosmopolita. Kant
propõe a argumentação de que eventos históricos contribuem para o
desenvolvimento moral e cultural da humanidade, destacando a importância de se
adotar uma perspectiva global para compreender o significado dos eventos
históricos. Kant aponta para a história ter um propósito e finalidade
(teleologia), visando levar a humanidade para uma condição superior de
desenvolvimento. Também temos a reflexão sobre as condições necessárias para se
alcançar uma paz que seja permanente dentro de uma sociedade justa.
4- Fundamentação
da Metafísica dos Costumes ("Grundlegung zur Metaphysik der Sitten"),
1785.
Aqui são
abordadas questões éticas e Kant busca um fundamento racional para a
moralidade. É introduzido o imperativo categórico, enquanto princípio moral
fundamental.
5- Crítica da razão
prática ("Kritik der praktischen Vernunft"), 1788. Abreviado em
português como CRPr.
Neste livro é
desenvolvida a temática que envolve a ética e a moral. A ideia do imperativo
categórico aparece como sendo a base para toda ação ética.
6- Crítica da faculdade
do juízo ("Kritik der Urteilskraft"), 1790. Abreviado em português
como CRJ.
Trata do juízo
sobre o belo e o sublime. Aqui há uma discussão sobre a estética e a
teleologia. É examinado a natureza do julgamento estético.
7- A religião
nos limites da simples razão ("Die Religion innerhalb der Grenzen der
bloßen Vernunft"), 1793.
Nesta obra Kant
trata da relação entre razão e religião, discute sobre pecado, redenção e
natureza da comunidade religiosa. Kant defende um tratamento racional da fé e
da religiosidade.
8- A paz
perpétua ("Zum ewigen Frieden"), 1795
Neste ensaio
Kant estabelece os princípios para a futura criação de uma organização
internacional que proporcione evitar guerras e promover a paz duradoura entre
as diversas nações. São apontadas as condições necessárias para a paz entre as
nações, dentre as quais encontra-se a organização e criação de uma “Federação
de Estados”, a renúncia por parte das nações do uso da guerra de conquista e a
promoção do respeito aos direitos humanos. Este ensaio influenciou a criação da
“Sociedade das Nações” ou “Liga das Nações”, após a primeira guerra mundial e
das “Nações Unidas” após a segunda guerra mundial, também exerceu e ainda
exerce influência sobre a teoria das relações internacionais enquanto referência
na discussão sobre a possibilidade de paz e governança mundial.